
O poder sempre fascinou e amedrontou a humanidade. Desde os mitos antigos até a filosofia contemporânea, ele aparece como força capaz de criar e destruir, de unir e dividir, de libertar e escravizar. J. R. R. Tolkien, em O Hobbit e O Senhor dos Anéis, transformou o poder em símbolo narrativo por meio do Um Anel, objeto de desejo que revela a fragilidade da alma diante da tentação. Sua obra, ainda que literária, é profundamente filosófica, pois traduz a condição humana frente ao poder — seja ele político, espiritual, econômico ou simbólico.
O Um Anel e a sedução do poder
O Um Anel não é apenas um artefato mágico; ele concentra em si a essência da dominação. Criado por Sauron para controlar os demais Anéis de Poder, ele representa a tentativa de transformar a ordem natural em submissão total. Sua sedução é universal: sábios, reis, guerreiros e até hobbits são tocados por sua promessa de grandeza.
A corrupção de Gollum, que perde sua identidade em função da posse do Anel, mostra como o poder absoluto devora o próprio ser. Já Frodo, embora resistente, também quase sucumbe em Mordor, lembrando que nenhum ser humano é totalmente imune à tentação da supremacia. O poder não apenas corrompe; ele desnuda a fragilidade interior.
Saruman e a política da corrupção
Se Sauron encarna o poder maligno em sua forma mais brutal, Saruman simboliza a corrupção política e intelectual. O outrora sábio líder dos magos cede à ambição de competir com o Senhor do Escuro.
Seu desejo de “usar o Anel contra o Anel” reflete a ilusão de que o mal pode ser combatido com as mesmas armas da dominação.
Tolkien parece aqui antecipar reflexões filosóficas sobre o poder como círculo vicioso — em que, muitas vezes, a luta contra a tirania reproduz a tirania.
O espelho da nossa realidade
O Um Anel é metáfora viva para os mecanismos de poder na sociedade contemporânea. A corrupção política, os abusos econômicos, a manipulação midiática e o controle tecnológico lembram que o poder, quando centralizado, tende a gerar alienação e destruição. Líderes, instituições e até cidadãos comuns, diante da promessa de vantagem, frequentemente cedem à tentação de dominar, mentir ou explorar.
A figura de Gollum, dominado pelo desejo, é espelho da humanidade atual, que muitas vezes se deixa consumir pelo consumo, pela busca de status e pelo individualismo. Já Saruman nos lembra das elites intelectuais e políticas que, mesmo conhecendo o bem, escolhem o pragmatismo do poder.
A resistência hobbit: esperança e humildade
Em contrapartida, Tolkien oferece uma chave de esperança. Os hobbits, seres pequenos e aparentemente insignificantes, são capazes de resistir ao poder justamente por não o desejarem.
Bilbo e Frodo mostram que a humildade, a amizade e a simplicidade são forças capazes de contrapor a tirania.
Na filosofia política, isso ressoa com a ideia de que o poder só encontra limites quando equilibrado pela ética, pela comunidade e pela consciência do próprio limite humano
O poder, em Tolkien, não é apenas uma questão de fantasia, mas uma reflexão profunda sobre a condição humana. O Um Anel é metáfora do desejo que consome, de Sauron a Saruman, de Gollum a Frodo. E, assim como em O Senhor dos Anéis, também em nossa realidade o poder continua sendo o grande teste da humanidade. A verdadeira vitória não está em possuí-lo, mas em resistir a ele.
Bibliografia
- TOLKIEN, J. R. R. O Hobbit. Tradução de Ronald Eduard Kyrmse. 2. ed. São Paulo: HarperCollins Brasil, 2019.
- TEOLOGIA NA SOLITUDE. O ser humano e o poder. Blog Teologia na Solitude, [s.l.], 27 ago. 2025. Disponível em: https://teologianasolitude.com.br/2025/08/27/o-ser-humano-e-o-poder/. Acesso em: 18 de Set. 2025.


Deixe um comentário