“O Hobbit”, de J.R.R. Tolkien, é mais do que uma história de aventura. É um relato sobre crescimento moral, coragem e virtude em meio ao inesperado. Curiosamente, esses temas dialogam com uma das obras filosóficas mais influentes da história: a Ética a Nicômaco, de Aristóteles.
O objetivo é iniciar uma série de artigos que dialogam com a ética e o espelhamento humano daquilo que muito nos define. A imaginação!
Neste artigo, exploraremos como os conceitos aristotélicos de virtude, felicidade (eudaimonia) e equilíbrio podem ser percebidos na jornada de Bilbo Bolseiro, um hobbit que descobre, passo a passo, o valor da vida ética.
A virtude como hábito
Tornamo-nos justos ao praticar a justiça, corajosos ao enfrentar o medo, generosos ao compartilhar.
Para Aristóteles, a virtude não é um dom inato, mas algo que se conquista pelo hábito:
Bilbo começa sua jornada como alguém dominado pelo conforto e pela rotina do Condado. No entanto, ao longo da aventura, ele pratica — quase contra sua vontade — atos de coragem, prudência e amizade. Aos poucos, ele se transforma em um hobbit virtuoso não por palavras, mas por repetição de ações justas. Desta forma, ele constrói seu próprio conjunto ético.
Mas o que é Ética?
A Ética é a área da filosofia que reflete sobre o bem viver: como devemos agir, quais valores orientam nossas escolhas e o que torna uma vida boa e plena.
Enquanto a moral é o conjunto de normas e costumes de uma sociedade, a ética pergunta: por que devemos agir assim?
A etimologia de Ethos
A palavra Ética vem do grego êthos (ἦθος), que significa caráter, hábito, modo de ser.
- No singular, êthos se refere ao caráter individual.
- No plural (éthē), indica os costumes da comunidade.
Para Aristóteles, o caráter não é algo pronto, mas algo construído: somos aquilo que praticamos repetidamente.
Na Ética a Nicômaco, Aristóteles apresenta três ideias centrais:
- Virtude como hábito – não nascemos virtuosos, tornamo-nos virtuosos pela repetição de atos bons.
- A coragem como meio-termo – a virtude sempre está no equilíbrio entre dois extremos (covardia ↔ temeridade).
- Eudaimonia – a felicidade plena, alcançada quando vivemos segundo a razão e a virtude.
Bilbo e a ética da virtude
Bilbo é um hobbit comum, apegado ao conforto do Condado. No início, seu êthos é marcado pela inércia: gosta de chá, lareira e não deseja aventuras.
Mas, ao longo da jornada, Bilbo vai praticando — quase contra a sua vontade — atos de coragem, prudência e amizade. Cada pequeno gesto molda seu caráter. Ele não se torna herói de repente; ele habita a virtude pelo hábito, como Aristóteles descreve.
Bilbo e a coragem
Entre a covardia inicial e a temeridade que nunca o dominou, Bilbo encontra o caminho do meio. Ele enfrenta trolls, aranhas e até o dragão Smaug, mas nunca por vaidade: sempre por necessidade, sempre com prudência.
A palavra “coragem” tem origem no Latim coraticum, do radical cor (coração) e do sufixo -aticum, que indica “ação”. Sua tradução literal seria “a ação do coração”, referindo-se à força interior e à bravura que emanam do coração, considerado na antiguidade a sede das emoções e da vontade.
Bilbo não age de forma impensada, mas no ímpeto de quem ele é, e de seu caráter, ele se torna destemido, altruista, corajoso!
Bilbo e a amizade
Para Aristóteles, a amizade (philia) é essencial para a vida boa. Bilbo aprende a superar o individualismo e se torna elo de união entre os anões, Gandalf e, no fim, até com os elfos e homens.
É chover no molhada afirmar o porque uma boa amizade é essêncial em nossas vidas. Mas devemos defendê-la mesmo assim. Amigos são o combustível de uma vida bem vivida.
Para Tolkien, a amizade é central em suas histórias. Pense em Frodo e Sam: sem Sam, Frodo não conseguiria carregar o peso do Um Anel. A amizade ali não é só companhia, mas fidelidade, sacrifício e esperança compartilhada. Em O Hobbit, vemos isso na confiança que vai se formando entre Bilbo e os anões, especialmente com Thorin, apesar das tensões.
“A amizade verdadeira é esta última: ela não depende de vantagens ou interesses, mas é um laço que enriquece a vida, fortalece a virtude e nos ajuda a ser melhores.”
Para Aristóteles, na Ética a Nicômaco, a amizade (philia) é um dos maiores bens da vida. Ele distingue três tipos de amizade:
- Por utilidade (quando ambos se beneficiam de algo);
- Por prazer (quando há alegria em estar juntos);
- Por virtude (a mais elevada, quando os amigos se amam pelo que são, buscando o bem do outro em si mesmo).
Na vida real, a amizade verdadeira:
- Oferece acolhimento e escuta em tempos de dor.
- Celebra conosco nas vitórias sem inveja.
- Corrige com amor quando erramos.
- Enobrece o coração, porque nos ensina a sair de nós mesmos e olhar o outro com bondade.
Em resumo: o valor de uma verdadeira amizade é que ela nos humaniza. É um dos maiores tesouros da existência, pois como dizia C. S. Lewis, “A amizade não é necessária, como a filosofia, como a arte… Mas é uma dessas coisas que dão valor à sobrevivência.”
Bilbo e a verdadeira felicidade
Bilbo descobre que a vida boa não está no ouro acumulado pelos anões, mas no retorno ao lar, transformado pela virtude e pela experiência.
Sua eudaimonia não é a glória externa, mas o crescimento interior.
As colinas familiares, a grama de casa, os hobbits conhecidos, as flores do jardim, o céu azul, a casa aconhegante, a prataria doméstica, a comunidade pacífica (nem sempre), os Hobbits do condado amantes da vida e protetores uns dos outros. A felicidade estava nas coisas pequenas de seu lar e lar é onde o coração está.
“Onde está o seu tesouro, ali estará o seu coração” – Jesus
Finalizando com Ethos
Assim, a ética em O Hobbit nos lembra que o caminho da virtude é acessível a todos, mesmo ao mais improvável dos heróis. Como Aristóteles diria:
“Não é necessário ser perfeito, mas estar disposto a cultivar bons hábitos e buscar o equilíbrio em cada decisão.”
Bilbo mostra que, em uma jornada marcada por tentações e medos, a verdadeira grandeza está em permitir que os humildes sejam enobrecidos pela virtude. Hoje famos finalizar este nosso artigo, contudo este é apenas a ponta do iceberg de um assum que muito me anima. E você, o que acha do Ethos no mundo?
Bibliografia:
- TOLKIEN, J. R. R. O Hobbit. Tradução de Ronald Eduard Kyrmse. 2. ed. São Paulo: HarperCollins Brasil, 2019.
- Aristóteles. Ética a Nicômaco. Tradução de Antonio de Castro Caeiro. São Paulo: Martins Fontes, 2009.
- BASSHAM, Gregory; BRONSON, Eric (org.). O Hobbit e a Filosofia: Para lá e para cá numa jornada inesperada. Tradução de Rodrigo Jorge. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2013.


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